População carcerária holandesa foi reduzida em
43% nos últimos 10 anos
Enquanto a maioria dos países do mundo enfrenta
problemas de superlotação no sistema carcerário, a Holanda vive a situação
oposta: gente de menos para trancafiar. Nos últimos anos, 19 prisões foram
fechadas e mais deverão ser desativadas em 2017, obedecendo a um decréscimo
agudo da população carcerária. Mas há quem veja nisso um problema.O cheiro de cebolas fritas deixa a cozinha e se
espalha pelo pavilhão. Detentos estão preparando o jantar. Um deles, usando uma
longa faca, corta legumes. "Tive seis anos de treino, então só posso
melhorar", brinca ele.
O prisioneiro fala alto, porque a faca está
presa a uma longa corrente ligada à bancada em que trabalha.
"Eles não podem carregar a faca por
aí", explica Jan Roelof van der Spoel, vice-diretor da prisão de segurança
máxima de Norgerhaven, no norte da Holanda, que tem capacidade para 243
detentos.
"Mas os detentos podem pegar emprestadas
pequenas facas de cozinha. Para isso, precisam deixar conosco sua identificação
para que possamos saber quem está com o que."
Na cozinha da prisão, a faca é presa a uma corrente |
Alguns dos homens em Norgerhaven cumprem
sentenças por crimes violentos, então pode parecer algo perigoso deixá-los
andar com facas pela prisão. Mas as aulas de culinária fazem parte das
iniciativas de reabilitação dos detentos.
"Aqui na Holanda, nós olhamos para o
indivíduo. Se alguém tem um problema com drogas, tratamos o vício. Se é
agressivo, providenciamos gestão da raiva. Se tem dívidas, oferecemos
consultoria de finanças. Tentamos remover o que realmente causou seu crime. É
claro que o detento ou a detenta precisam querer mudar, mas nosso método tem
sido bastante eficaz", explica Van der Spoel.
O diretor acrescenta que alguns reincidentes
normalmente recebem sentenças de dois anos e programas personalizados de
reabilitação. Menos de 10% voltam à prisão. Em países como Reino Unido e EUA,
por exemplo, cerca de 50% dos detentos cumprindo pequenas penas voltam a ser
presos nos primeiros dois anos após a libertação (no Brasil, diversos estudos
estimam que a taxa geral de reincidência é de 70%).Norgerhaven fica na cidade de Veenhuizen, onde
também está situada outra prisão de segurança máxima --Esserheem. Ambas contam
com bastante espaço. O pátio é do tamanho de quatro campos de futebol e têm
carvalhos, mesas de piquenique e redes vôlei.
Van der Spoel conta que o ar fresco reduz o
estresse tanto para detentos quanto guardas. Detentos podem andar "a
vontade por áreas comuns como biblioteca, departamento médico e cantina, e essa
autonomia os ajuda na readaptação à vida em liberdade.
Não poderia ser uma situação mais diferente de
10 anos atrás, quando a Holanda tinha uma das maiores populações carcerárias da
Europa. Hoje, a proporção é de 57 pessoas por cada 100 mil habitantes,
comparada a 148 por 100 mil no Reino Unido e 193 no Brasil.
Mas os programas de reabilitação não são a
única razão para o declínio de 43% no número de pessoas atrás das grades na
Holanda --que era de 14.468 em 2005 e caiu para 8.245 em 2015.
O ano de 2005, por sinal, foi o auge da
população carcerária e especialistas acreditam que o salto se deu ao aumento na
segurança do principal aeroporto de Amsterdã e a consequente explosão na prisão
de "mulas" carregando cocaína. Mas, como explica Pauline Schuyt,
professora de direito criminal, a polícia mudou suas prioridades.
"Eles mudaram o foco das drogas para
concentrar esforços no combate ao tráfico humano e ao terrorismo",
explica.
Juízes holandeses também vêm aplicando cada vez
mais penas alternativas à prisão, como trabalhos comunitários, multas e
monitoramento eletrônico.
A diretora do serviço penitenciário da Holanda,
Angeline van Dijk, diz que o encarceramento tem se tornado algo mais aplicado
para casos de criminosos de alta periculosidade ou para detentos em situação
vulnerável, que podem se beneficiar dos programas disponíveis.
"Às vezes é melhor que pessoas fiquem em
seus empregos e suas famílias, e que cumpram a pena de outra forma",
explica Van Dijk.
"Como temos penas mais curtas e uma taxa
de criminalidade em queda, isso está levando a celas vazias".
Oficialmente, crimes caíram 25% na Holanda
desde 2008, mas há quem alegue que isso é resultado de maiores problemas em
registrar queixas --um efeito colateral do fechamento de delegacias, como parte
de pacotes de cortes de gastos públicos.Ex-diretora de prisão e hoje porta-voz para
assuntos de Justiça do partido de oposição Apelo Democrático Cristão, Madeleine
Van Toorenburg diz que a escassez de prisioneiros está ligada a uma espécie de
impunidade.
"A polícia está sobrecarregada e não consegue
lidar com seu trabalho. A resposta do governo é fechar prisões", critica.
E agentes penitenciários tampouco se dizem
satisfeitos com o que chamam de instabilidade profissional. Frans Carbo, líder
sindical, diz que agentes estão frustrados e que a presente situação
desestimula a renovação da força de trabalho.
"Os jovens não querem trabalhar no sistema
penitenciário porque não há mais futuro na profissão. Você nunca sabe quando
sua prisão será fechada".
As prisões desativadas são normalmente convertidas
em centros de triagem para refugiados e oferecem uma oportunidade de trabalho
para guardas que perderam o emprego. Mas uma unidade nas imediações de Amsterdã
foi convertida em um hotel de luxo.Outra solução encontrada pelo governo para
lidar com celas ociosas foi alugar espaço para prisioneiros de países com
problemas de lotação, como a vizinha Bélgica e a Noruega.
Norgerhaven, por exemplo, recebe prisioneiros
noruegueses, a mesma nacionalidade do novo diretor da unidade Karl Hillesland.
Mas os guardas são todos holandeses. O curioso é que o sistema penal norueguês
é mais liberal que o holandês. Prisioneiros podem dar entrevistas e assistir
aos DVDs que quiserem, porque o princípio básico é do da normalização - a vida
na prisão deve ser o máximo possível parecida com a do mundo lá fora para
ajudar a reintegração.
"Fazemos as coisas de maneiras diferentes.
Aqui [na Holanda], tomamos ações disciplinares assim que um prisioneiro quebra
as regras, ao passo que os noruegueses primeiro abrem inquérito e depois tomam
providências. Esse estilo confundiu os guardas no começo", diz Van der
Spoel.
"Mas, no geral, compartilhamos os mesmos
valores básicos sobre como administrar uma prisão", diz Hillesland.
O diretor diz que alguns prisioneiros do
sistema norueguês foram transferidos unilateralmente para a Holanda, mas que a
maioria se voluntariou porque artigos como tabaco, por exemplo, são mais
baratos na Holanda.Mas a transferência criou problemas para
parentes, que precisam custear do próprio bolso visitas à prisão - o que pode
custar mais de R$ 2 mil em passagem aérea e acomodação. Por isso, Norgerhaven
hoje contra com uma "sala de Skype". Mas a maioria dos prisioneiros
"importados" é composta de estrangeiros que jã não viam suas famílias
em pessoas quando estavam atrás das grades na Noruega.
O operário polonês Michael é um exemplo. Ele
usa a internet para ver a esposa e os quatro filhos, algo que não tinha na
Noruega - os parentes estão na Polônia.
"Minha mulher está ocupada com a tarefa de
cuidar das crianças e o trabalho. Então optei por vir para esta prisão para que
não apenas ouvisse a voz da minha família. É difícil (controlar a emoção)
depois de falar com eles, mas é melhor que nada", explica Michael.
Veenhuizen também esconde um passado sombrio e
bem menos progressista que o do atual sistema penitenciário: um reformatório
que ficou conhecido como a "Sibéria Holandesa" e que foi usado para a
internação forçada de mendigos, órfãos e outros marginalizados no século 19. E
que funcionou até os anos 70.De acordo com demógrafos, pelo menos um milhão
dos 17 milhões de holandeses hoje vivos descende de alguém "exilado"
em Veenhuizen.
Hoje, o prédio do reformatório abriga o Museu
Penitenciário.
(Fonte BBC Brasil)
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