Coluna do Sarney
Já citei muitas vezes o aforismo greco-romano
de que “primeiro no mundo o medo criou Deus”. O medo é um sentimento que nos
une aos animais e está relacionado com o conhecido e o desconhecido. Sabemos o
que podemos sofrer e imaginamos o que podemos sofrer.
Com a vida social, o homem foi se libertando do
medo. O Leviatã nos explica que o medo da morte leva o homem a buscar a paz que
só a sociedade pode garantir. Mas à paz se opõe o desejo de poder. A busca de
poder desequilibra a harmonia social e reintroduz o medo.
Se no começo o medo era simples – de animais,
de fenômenos naturais ou do vizinho -, hoje, sem abandonar essas sensações
atávicas, inclusive a visão do lobisomem e do bicho papão, ele tornou-se muito
complexo. Sabemos que existe um arsenal nuclear que pode destruir, várias
vezes, a vida sobre a terra; ou podemos ter o mesmo resultado se não formos
capazes de reverter a marcha do aquecimento global – que Deus dê ao Trump o bom
senso que ele não parece ter! E conhecemos as guerras, as mais midiáticas, como
as da Síria e do Iraque, ou as mais escondidas, como a do Sudão do Sul, que
tomam a forma do genocídio. E a fome, que tanta gente passa, e é outra maneira
de morrer.
Quem não tem medo da violência, seja a das
armas, que mantém o Brasil numa triste liderança mundial, e que chegou ao
Maranhão com a sua brutalidade, seja a dos acidentes de trânsito, com a legião
de vítimas aumentando agora pelo uso do smartphone? Ou de perder o emprego, de
não poder ganhar o pão nosso de cada dia? Ou de ficar doente, e não ter
socorro, tal é o estado de calamidade em que está a rede de saúde? E a ideia de
aprender, da educação melhorar a vida das gentes, que vai por água abaixo?
Michel de Montaigne, que viveu em época de
guerra de religiões, quando bastava uma suspeita para um massacre, escreveu um
dos capítulos de seus Ensaios sobre o medo. Ele lembra que “aqueles que têm um
medo forte de perder seus bens, de ser exilados, de ser subjugados, vivem em
completa agonia, sem conseguir beber, comer e repousar, enquanto os pobres, os
banidos, os criados vivem frequentemente em completa alegria. E tantas pessoas
que, na impaciência causada pelo medo, se enforcaram, afogaram e precipitaram,
nos ensinando que o medo é ainda mais insuportável que a morte.” E tem uma
frase definitiva: “O de que tenho mais medo é do medo.”
É que o medo é escorregadio, ele se insinua nos
espíritos e coloca as pessoas fora de si, capazes de fazer o que não fariam –
contra o próximo e contra si mesmo. Voltando ao que Hobbes colocou no Leviatã,
pior que o medo é o uso do medo como instrumento do poder.
No Maranhão hoje o medo é esse instrumento,
utilizado politicamente. Todos têm medo: os comerciantes têm medo das
fiscalizações dirigidas; os políticos têm medo das comissões de inquérito,
semelhantes às da Inquisição, que levavam às fogueiras; os funcionários têm
medo das ameaças e das demissões; cada cidadão tem medo de uma forma de
perseguição. Uma denúncia aqui, uma demissão acolá, uma ameaça mais além,
chantagens, pressões, insinuações, calúnias, difamações, falsidades… Tudo isso
rasga a coesão social, rompe a vida das famílias, mina o futuro.
A ideologia semeia os dogmas – e ai daqueles
que não acreditem. Hoje ela desapareceu, tornou-se retórica antiquada; só fez
mal à humanidade. Nada fez mais medo, nem a guerra nuclear, que o regime
encarnado em Stalin, que matou mais de 30 milhões de pessoas. Será que alguém
pensa que o comunismo pode renascer no Maranhão?
Que saudade do medo simples de minha infância,
quando – é minha primeira memória – eu e meus irmãos espiávamos, de detrás da
porta, os índios que entravam na cidade em fila!
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