Participar de um campeonato masculino foi
revelador para o time feminino do Centro Olímpico de São Paulo. As atletas de
até 14 anos descobriram que os garotos se sentiam menores em perder para
meninas. Os pais deles também não aceitavam a derrota. E até brigaram com os
filhos.
“Existia uma cobrança de certa forma
exagerada em relação às derrotas dos meninos para as meninas. Eu acho que
também é uma coisa que a gente cutucou uma ferida que, no Brasil, ainda não é
coisa bem explicada. A gente invadiu um campeonato que [achavam que] a gente
não tinha, talvez, que se meter naquilo e causou um certo mal-estar”, afirma
Lucas Piccinato, treinador do Centro Olímpico.
(Esta reportagem faz parte do Especial
#QueroTreinarEmPaz. Quando decide praticar esporte quase toda mulher enfrenta
uma série de dificuldades que não deveriam existir. Dificuldades que homens não
enfrentam. Se você, só porque é menina, já teve problema para praticar esporte,
conte sua história nas redes sociais usando a hashtag #QueroTreinarEmPaz)
A ideia de se inscrever num torneio masculino
sub-13 ocorreu por um motivo simples: não há competições nesta faixa etária
para times femininos. A Copa Moleque Travesso é um campeonato tradicional de
São Paulo e os outros sete participantes foram consultados em aceitar a equipe.
Houve uma objeção.
O time do Centro Olímpico pediu e entrou na
disputa autorizado a ter sete atletas de 14 anos para equilibrar a diferença
física. A campanha foi de três vitórias, duas derrotas e dois empates, obtendo
o terceiro lugar na classificação e vaga nas semifinais.
Piccinato percebeu que havia um consenso
entre os demais times de que não poderiam perder para uma equipe feminina. Os
pais dos meninos também tinham dificuldades para assimilar. Mas não descontavam
nas meninas e, sim, nos próprios filhos. A cobrança era por perder uma
dividida, tomar um drible ou ser menos veloz.
“Eu não condeno, Eu acho que todo o Brasil
tem que melhorar em relação ao preconceito. A gente acabou invadindo o espaço
de uma competição masculina. Mas, de certa forma, os pais dos garotos, sempre
que havia uma derrota, não lidavam de uma forma muito positiva."
O treinador declarou que pais dos jogadores
diziam que os meninos não entravam forte por medo de machucar as adversárias. O
pico da discórdia ocorreu quando foi dito que futebol não era coisa de meninas.
Na partida valendo o lugar na decisão, a
equipe pegou o Olímpia, o time que não aceitou a participação das atletas e
para quem havia perdido por 2 a 1 na fase de grupos. Lucas conta que havia
certa rivalidade pelo histórico e um mal-entendido ocorrido nas arquibancadas
no jogo anterior.
As meninas ganharam a semifinal por 3 a 1. Os
adversários ficaram bem irritados com a derrota e houve uma dose extra de
frustração por tratar-se de uma equipe feminina, recorda o treinador do Centro
Olímpico. Nas arquibancadas, os pais das garotas ouviram mais uma vez que havia
medo de machucar as atletas e que futebol não é para elas. Também escutaram que
o resultado ocorreu por causa das atletas de 14 anos.
"Em alguns momentos, os pais das outras
equipes - principalmente nos jogos da final e semifinal - usaram isso como muleta.
Só que ao mesmo tempo essas duas mesmas equipes durante a competição nos jogos
da fase regular venceram a gente com essas mesmas sete meninas jogando".
A vitória na final contra o São Paulo Piloto
foi por 3 a 0 e rendeu mais que o troféu. A zagueira Lauren Leal foi eleita a
melhor jogadora da decisão. Outra premiação individual coube a Marcelli,
escolhida melhor goleira da Copa Moleque Travesso.
O que chamou atenção também foi o engajamento
dos pais das meninas. Não apenas por fazerem camisetas para as fases finais,
mas pela defesa do direito das mulheres jogarem bola.
“Acabava que os pais passavam para nossas
atletas uma certa luta, uma resistência contra todo o preconceito em
volta", concluiu o técnico.
Felipe Pereira
Do UOL, em São Paulo
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